Além da Crônica: “Aquele pode ser o meu lugar”

03/06/2024
Foto: Fabiano Rateke
Foto: Fabiano Rateke

Muito além de apenas um texto, a crônica é um fragmento de tempo e memória. Esta forma textual da liberdade é para o autor transbordar nas páginas suas experiências, emoções, desejos e momentos marcantes.

Kaue Gustavo Alberguini Pereira nasceu em Joaçaba, mas viveu sua vida inteira na cidade de Ibicaré, na região oeste de Santa Catarina. Apaixonado por futebol, Kaue sempre foi um torcedor por um time de fora do estado, por influência de sua família. Quando se mudou para Florianópolis, em 2022, para cursar jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina, Kaue teve um contato maior com o futebol manezinho, adentrando nesse mundo para procurar nele, um lugar.

A busca pelo sentimento de pertencer a algum lugar é algo extremamente presente no dia a dia de quem vem de fora. Usando isso de contexto, Kaue escreveu a crônica "Aquele pode ser meu lugar", onde fala da relação de pertencer a algo, causada pelo futebol catarinense, em especifico, em uma partida do Figueirense.

Esta crônica foi eleita a campeã da categoria amadora no "Torneio de Crônica - 100 anos da FCF". Além de apenas contar um fragmento da história do futebol catarinense, Kaue discorre também sobre uma das dádivas que o futebol nos proporciona: pertencer a algo.

A crônica recebeu um destaque também por dialogar com um dos projetos em construção da SC CLUBES. A ação busca estimular os novos moradores do estado, caso torçam para times de fora de Santa Catarina, a "adotarem" os times catarinenses como seu segundo clube do coração, podendo passar esse amor para as próximas gerações.]


Confira a seguir a crônica:


Não sou Figueirense. Não sou Avaí. Acho importante deixar essas duas informações explícitas logo de cara. Desde que me mudei para Florianópolis, é uma pergunta recorrente: "Como assim, não sente nada por nenhum dos dois?". É até controverso que eu, apaixonado por futebol, não de uma chance para pelo menos um deles.

Resolvo então aceitar um convite. Fui convidado por alguns amigos, alvinegros fanáticos, para ir ao Orlando Scarpelli.

Figueirense e Manaus, última rodada da Série C. O alvinegro vivia um momento complicado, e com uma combinação de resultados poderia ser rebaixado. Mas isso não impediu que a torcida estivesse presente em bom número e apoiasse o time. Dentro do estádio era perceptível uma tensão. O resultado da outra partida não era favorável e uma derrota do Gigante do Estreito - aprendi essa alcunha em um dos cantos da torcida - culminaria no rebaixamento. A medida que o tempo passava a apreensão aumentava. Os cantos puxados pela torcida já não tinham tanta força e o espaço era ocupado por um silêncio.

Silêncio que implorava pelo fim da partida. O Figueira não fazia um grande jogo. Longe disso, era pressionado pela equipe manauara.

Aos 36 minutos do segundo tempo, uma cabeçada do atacante da equipe visitante obrigou Tiago Gonçalves a fazer uma grande defesa. O goleiro era muito criticado "Ele não passa segurança, se chutar é gol" era o que se dizia na arquibancada no anúncio da escalação. Mas, naquele momento, ele se consagrou herói. Ao final, o Figueirense segurou o empate e se manteve na Série C.

Comemoração, cantos da torcida, choro e até xingamentos. Foram as formas do torcedor expressar o que sentiu naquela tarde. Um respiro, um mero alivio. Ainda não digo que em Florianópolis eu sou alvinegro. Mas naquela tarde, ao presenciar tudo aquilo no Orlando Scarpelli, eu senti algo: aquele pode ser o meu lugar.